Tá, sei que o texto é “notícia velha” (72 dias é um bocado de tempo para o jornalismo), mas o assunto é atemporal. Por isso, ainda merece ser discutido.
Em “Espelho retrovisor”, o psicanalista Luís Olímpio Ferraz Melo, pretendendo desvalorizar o sentimento de culpa, comete desatinos que não se podem deixar passar em branco. Vamos ao artigo:
No trânsito, o espelho retrovisor tem importância significante, pois pode auxiliar o motorista a evitar acidentes - somente isto.
Bom, evitar acidentes não é algo que se possa dizer ter uma importância “somente”. Por acaso, evitar um atropelabento ou uma colisão é uma banalidade?
No entanto, o sujeito utiliza na vida cotidiana o olhar no passado, como se estivesse permanentemente vigiando e com medo do que passou. A maioria das pessoas está presa ao passado e remoendo situações que não poderão mais ser modificadas e por conta disto sofrem com sentimentos de culpa e remorso pelo que fizeram ou deixaram de fazer. Chegam a glorificar o lado negativo do passado, mas não dão o mesmo destaque aos fatos positivos que aconteceram. É cruel o sentimento de culpa e há pessoas que acreditam carregar toda a culpa do mundo até por fatos que não deram causa.
De facto, viver com o pasado na mente paralisa, impede-nos de tomar as atitudes necessárias no presente, da mesma forma que a ansiedade pelo porvir. Devemos viver o hoje, baseado nas lições do passado e nos planos e possibilidades para o futuro. É uma atitude bem diferente da de glorificar o lado negativo do passado (que é uma forma de ressentimento), bem como de idealizá-lo como um paraíso perdido.
Mas, de que raios ele fala quando diz que “é cruel o sentimento de culpa e há pessoas que acreditam carregar toda a culpa do mundo até por fatos que não deram causa”? Quiçá teremos a resposta adiante.
Freud dizia que o sentimento de culpa no homem nasce ainda na fase masturbatória - a mulher queixa-se de certo arrependimento após o ato masturbatório. A mulher que, por qualquer motivo, praticou o aborto, sente-se profundamente culpada por este ato extremo, mas que deve ser esquecido e creditado à imaturidade e ao desespero.
Nem sempre a prática do aborto pode ser creditada à imaturidade e ao desespero da gestante, pois diversos factores podem influir na decisão. Não é algo que possa ser reduzido a uma resposta tão simplista.
Claro está que a mulher que se sente culpada por este acto abominável mostra, apesar do que cometeu, ter algo de bom e digno em seu coração e esta bondade pode fazê-la se redimir e tornar-se uma pessoa melhor. Só um monstro frio e insensível (ou alguém que a esta condição foi reduzido) poderia simplesmente esquecê-lo e buscar justificativas (sim, isso mesmo) como estas para apaziguar seu próprio ego. Uma experiência traumática como essa normalmente não é esquecida- e nem deveria sê-lo.
As religiões contribuíram negativamente para a glorificação da culpa na civilização, inclusive, os 7 pecados capitais da Igreja foram cada um vinculados a um demônio; e algumas seitas religiosas exortam a castração e o autoflagelo, como forma dos fieis se penitenciarem por faltas que não cometeram. Qual a importância do passado no presente? Nenhuma! Os arquivos mentais servem apenas para registrar experiências; e não para se ficar remoendo fatos, desejando, em vão, modificar o que passou.
Quando vejo alguém falar que “as religiões isso ou aquilo” já fico com um pé atrás, uma vez que entre elas encontram-se tantas diferenças e complexidades que é deveras difícil para alguém afirmar coisas como as que lemos acima. Não é tarefa para qualquer um.
Entretanto, falo da religião que melhor conheço: a doutrina (infalível) dos 7 pecados capitais, Sr. Luís Olímpio Ferraz Melo, não existe para “aliviar o ego” de ninguém, mas sim para orientar as pessoas quanto à gravidade desses pecados. Faz parte das obrigações de uma boa mãe (e a Santa Madre Igreja é uma boa mãe) alertar ao seus filhos o que é mal para eles e o quanto isso é mal. Que tipo de mãe seria aquela que permite que seus filhos se exponham a perigos mortais sob a justificativa de que “ah, é tão ‘cruel’ dizer um não! Faça o que melhor lhe apetecer, meu filho”? O ensinamento sobre o pecado e sobre os Novíssimos do Homem (Morte, Juízo, Céu e Inferno) serve para ensinar os homens a pesarem sua liberdade com a responsabilidade – e isso parece ser algo muito difícil para tantos hoje em dia! -, não para, como está em seu artigo, “glorificar a culpa”.
Qual a importância do passado no presente? Imensa!!! Nossos actos têm consequências que se projectam para o futuro e, às vezes, para o resto de nossas vidas, não se lembra disso?* Como viver o hoje se me esqueci do que foi ontem? Se a vida humana é um conjunto de compartimentos isolados no tempo ( e falta aqui saber que unidade de tempo é essa que recorta as nossas vidas, apartando-as de vez umas das outras ao ponto de que se tornem apenas contactáveis como uma curiosidade para entreter-nos nos tempos de ócio), para quê elaborar projectos um mesmo dizer “vamos em frente!”? Tudo isso vai passar de forma a que não terá significado no momento seguinte. Seguindo o conselho do articulista, nada poderemos aprender com nossas experiências, pois elas fazem parte desse “inútil” passado.
Mas o melhor (ou pior) ainda está por vir:
Ninguém deve se sentir culpado, pois é da natureza humana o erro e, essa ideia equivocada de pecado e punição, jamais terá comprovação, pois trata-se apenas de alegorias. A Bíblia diz que o primeiro assassinato ocorreu quando Caim matou o seu irmão, Abel, por ciúmes e alguns exegetas míopes enxergaram nisto uma expiação para toda a humanidade; assim como o pecado original descrito na Bíblia e pelo qual todos ainda hoje teriam que responder. Ora, se Adão e Eva foram expulsos por Deus do Paraíso pelos supostos pecados, nós nada temos a ver com isto! Dane-se a culpa!
1)Fugir da culpa “porque dói” é atitude digna de fracotes e covardes que não podem arcar com as consequências de seus próprios actos. Isso quando não se tratar de psicopatias, já que o retrato da conduta ideal traçado pelo articulista nas primeiras linhas desse parágrafo lembra-me o de Mersault, o personagem psicopata de Albert Camus em L’Étanger, aquele que mata um homem sem saber bem o por quê e que reage com a maior indiferença ao seu próprio julgamento, bem como a diversos factos de sua vida. Ele não sente nenhuma culpa por seus actos porque é totalmente incapaz de o fazer. Já imaginaram isso: uma sociedade de irresponsáveis ou de psicopatas?
2)Pior fica agora, quando o colunista, pretendendo ir a fundo em sua tese, demonstra uma ignorância gigantesca em teologia: a doutrina do pecado original, um dos dogmas da Igreja, ensina que, após suacriação, o Homem, não aceitando seu status de criatura e , seduzido pelo poder do Demônio, com desejos de se igualar a Deus, rebelou-se contra seu Criador. Isso acarretou a perda do estado de Graça com o qual havia sido criado, além de outras consequências graves (medo de Deus, dificuldade de conhecer a Deus, ruptura da harmonia de toda a Criação, etc.). O Homem, criado para ser o jardineiro de Deus no Édem, a obra-prima das criaturas terrestres, perdeu sua ciência infusa e foi condenado a ser prisioneiro do pecado, do qual é libertado por Jesus Cristo. O Padre Leo Trese explica isso de uma forma bastante esclarecedora em seu livro A Fé Explicada: “Se, antes de eu nascer, um homem rico tivesse oferecido a meu pai um milhão de dólares em troca de um pequeno trabalho, e meu pai tivesse recusado a oferta, na verdade eu não poderia culpar o milionário pela minha pobreza. A culpa seria de meu pai, e não do milionário”. O pecado original é essa pobreza que os homens herdaram de Adão. Entendeu, Sr. Luís Olímpio Ferraz Melo? Eis o que temos a ver como o que os nossos primeiros pais fizeram.
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* Só para dar um exemplo bem claro: um dia, no passado, o Sr. Luís Olímpio Ferraz Melo decidiu ser psicanalista. Os efeitos dessa decisão repercutem até hoje. Será que ele pode se furtar a isso dizendo “é só o passado, o que importa é o Agora. Em frente!”?
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2 comentários:
Esse fulano, Luís Olímpio, tem o senso moral de um canino: de imediato se esquecendo do ocorrido e voltando mais uma vez ao próprio vômito. Que fique entregue à sua imundícia.
O preocupante, por outro lado, é o fato de tratar-se de um psicanalista. Eu imagino o quanto ele deva auxiliar os pacientes a perderem-se ainda mais de si mesmos ao cortar-lhes o fio da própria história.
É triste. E revoltante.
Ah, obrigada pela visita! Tbm estou gostando do seu blog!
Pois é, não creio que, com esse pensamento, ele ajude realmente a muita gente, mas apenas frneça-lhes justificativas para seus problemas.
Obrigado pela visita!
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