quarta-feira, 22 de junho de 2011

Sobre Doutoramentos. Considerações a uma diatribe desqualificada

Sei que já é velho esse meu hábito (ou vício) de comentar coisas já passadas e que saíram um tanto de evidência, se é que tiveram mesmo alguma. Mas, enfim…

Há mais de um mês, Janer Cristaldo, comentando uma antiga decisão da Capes de ampliar o número de PhDs no Brasil, lançou-se contra os cursos de Doutorado, Mestrado e mesmo as Graduações da Humanidades. Contrariando meu habitual método de comentar textos inteiros trecho a trecho, deixo aqui uns comentários ao caso:

1)Dizer que um curso de Doutorado ou Mestrado é uma inutilidade é uma tolice que dispensa grandes comentários. Numa época em que se acentua a necessidade de qualificação e preparo para enfrentar os desafios do mercado de trabalho, dentre outros, é espantoso que alguém pretensamente esclarecido diga tais asneiras;

2)Um mestrado deve ser feito de preferência na sequência da conclusão da graduação sim. Já o doutorado exige mais experiência, maturidade. A sugestão de Janer, de que se conclua o Doutorado até trinta e poucos anos é um absurdo total, já que nesta idade muito dificilmente o doutorando terá o preparo adequado para tirar todos os frutos do curso (o último professor que vi comentar o assunto orientou os alunos para fazerem doutorado só anos depois do Mestrado. Eu, se um dia fizer um, só o farei 10 anos após o Mestrado). Essa sugestão, aliás, cria o problema que ele vê nesses cursos, que é o de manter o estudante por demasiados anos longe do mercado de trabalho. Sem perceber, ele criou a inviabilidade que acha ser natural desses cursos.

3)Não sei se isso é comum no Brasil, acho até que não, mas aqui em Portugal já vi muitas teses publicadas. No começo deste mês, aproveitando uma promoção da INCM, adquiri Povo, Eticidade e Razão. Contributos Para o Estudo da Filosofia Política de Hegel. É a tese de Doutoramento do Professor Edmundo Balsemão Pires, docente da FLUC, de quem já assisti algumas aulas de Filosofia do Direito, ministrada aos estudantes da Licenciatura em Filosofia. Evidentemente ainda não a li, mas pelo que já vi parece ser muito boa. Para ficar na área que me é mais familiar, já vi várias teses de Mestrado e Doutorado em Direito publicadas por aqui. Elas contam especialmente na coleção Studia Juridica, da Coimbra Editora e na Coleção Teses (o título já diz tudo), da Livraria Almedina. A prmeira coleção é voltada mais para o labor dos professores da FDUC. A segunda contêm mais trabalhos oriundos de Lisboa e do Porto, embora também haja algo da “prata da casa”. Estes livros têm de ser pagos? Sim. Afinal, são publicados por editoras privadas (exceto o caso da INCM), que têm custos de produção, como qualquer empresa em relação ao seu produto. Em todo caso, Cristaldo costuma ler teses, sejam brasileiras ou estrangeiras? É capaz de produzir algo a altura, por exemplo, dos professores de Cimbra e melhor do que o fazem os acadêmicos brasileiros?

4)Se o Brasil eliminasse hoje seus cursos de doutorado, perderíamos sim grande coisa. Apesar dos pesares, perderíamos mais profissionais qualificados. Isso numa época em que tanto precisamos deles;

5)Curiosa a postura esnobe e utilitarista quando compara os cursos de engenharia, medicina, odontologia com os cursos de Humanidades, notadamente os de Filosofia, Sociologia e Letras. Curiosa porque vem exatamente de um sujeito que sempre teve interesse (amadorístico que seja) por Humanidades e sempre se manteve longe dos cursos ditos por ele “úteis”. O mesmo Cristaldo que diz isso já lecionou Literatura e vez por outra dá pitacos na matéria, bem como o faz com a Filosofia e outras “inúteis” ciências humanas. Verdade que seus palpites não valem lá muita coisa, mas existem. Frise-se ainda que engana-se quem pensa que o ex-jornalista agora dará uma guinada em seus interesses e seus textos, só tratando de temas das ciências exatas e da saúde. Não: ele continuará falando sobe literatura, filosofia, historia e outras “inutilidades de vestibular fácil”;

6)Caso especial do número precedente: o curso mais “útil” que ele fez, o Direito, serviu-lhe de quê? Acaso ele se interessa realmente pelo Direito? Tornou-se um operador do Direito, fosse em que ramo fosse? Não foi ele quem jogou fora seus livros tão logo terminou o curso e, desde então se mantem afastado como pode da ciência jurídica? É assim que ele vem esnobar os estudiosos de Humanidades;

7)Entretanto, não vá pensar o leitor que Janer Cristaldo tem uma visão utilitarista do conhecimento. Não: ele tem uma visão utilitarista da universidade. Sua visão de cultura, por outro lado, é totalmente lúdica: ele acha que cultura tem que ser “gostosinha”, “algo que dê prazer”, conforme demonstrou nesse outro texto, publicado depois do começo dessa diatribe. Precisa comentar que, por essa via, nunca se formarão scholars? Que um curso de Humanas não é entretenimento sofisticado, mas campo de estudo e pesquisa?

8)Também é curioso, e mesmo irônico, que um sujeito que ataca mestrandos e doutorandos por serem subsidiados com bolsas oriundas de recursos públicos seja o mesmo que, em suas estadias estudantis em Paris e Madrid, décadas atrás, tenha recorrido a esses expedientes em proveito próprio. Será que ele confessa aí que explorou os contribuintes franceses e espanhóis, ou com ele as regras são diferentes?

9)Normalmente, quem possui Mestrado e Doutorado tem mais qualificaçãoes. Por isso, por lei, podem conseguir vencimentos maiores. Qual o problema aí, Sr. Janer Cristaldo?

Sem mais tolices para comentar por enquanto.

2 comentários:

livia soares disse...

Seu blog é muito bacana.
Voltarei para ler com calma.
Um abraço.

Fábio V. Barreto disse...

Obrigado pela visita, Lívia! Também lerei melhor o seu blog.
Um abraço.