quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Sobre concursos públicos e concurseiros

Há entre algumas pessoas no Brasil, especialmente entre que simpatizantes do pensamento político liberal, uma tendência a menosprezar o funcionalismo público e, por tabela, os concurseiros, tachando-os de preguiçosos, pouco competentes e naturalmnte menos capacitados do que os funcionários da iniciativa privada.

Trata-se de um erro crasso, estereótipo de uma figura que até que podia ter alguma substancialidade tempos atrás, mas que já passou. Além de que isso é, na melhor ds hipóteses, um liberalismo caricaturizado que revela ignorância do liberal que o sustenta (lembremos, por exemplo de que Adam Smith era um burocrata. Isso para não falar de Roberto Campos, J. O. Meira Penna e J. Guilherme Merquior), os factos mostram o seguinte:

1)A idéia de que a iniciativa privada valoriza a personalidade e a paixão do empregado enquanto que o serviço público anula o indivíduo, transformando em mero cumpridor de ordens é estereotipada e falsa. Nem sempre empresários gostam de funcionários com iniciativa e personalidade (conheço pessoalmente uns assim), bem como, sem paixão, como se manter e crescer trabalhando no Serviço Diplomático, na Magistratura, ou na Polícia Federal, por exemplo?

2)Há muito que a Administração Pública vem acolhendo métodos da iniciativa privada para melhorar sua eficiência, como exigir qualificação contínua de seus quadros e estabelecer metas de produtividade (o órgão em que um primo meu trabalha, por exemplo, faz isso). Seguindo por essa via, a tendência é a de que a imagem da Administração Pública como o destino dos preguiçosos desapareça, por falta de correspondência com a realidade;

3)Tampouco faz sentido dizer que “para ser funcionário público, basta fazer uma provinha”. Quem quer que tenha contato com concurseiros sabe o quanto é preciso estudar para passar em algum certame, especialmente os mais duros, como o do IRBr para a carreira diplomática, das magistraturas ou para Auditor Fiscal da Receita Federal. Quem diz aquilo por acaso já tentou passar num concurso desses, ainda que fosse só para ter alguma ciência do que diz?

4)Falam também em preparo. Isso, obviamente, depende do cargo aspirado. A maioria das pessoas que conheço planeja uma carreira na área jurídica, ou na Receita Federal, Serviço Diplomático ou Magistério Superior. Alguém, dentre os críticos, tem alguma idéia do nível necessário para ser aprovado no concurso para qualquer dessas carreiras? Os certames para Auditor da Receita Federal, por exemplo, nunca conseguem preencher as vagas ofertadas, tão alto é o nível do teste. Para o candidato à diplomata, por exemplo, é preciso, logo no começo, saber inglês fluentemente, ter ótima proficiência em Francês e Espanhol, disponibilidade para aprender outros idiomas, além de conhecimento sólido de Economia, Direito, Ciência Política, Relações Internacionais, etc. Abundam profissionais assim na iniciativa privada?

5)Há também quem ache que funcionários públicos são “pífios”. Como? Juízes, promotores de justiça, diplomatas, professores de universidades estaduais e federais, militares e outros são “pífios2 pelo simples facto de serem funcionários públicos? Cadê a base concreta disso?

6)Tempos atrás se dizia que só quem não realizava sua vocação trabalhava no serviço público. Ué, é tão estranho assim conceber que alguém possa ter vocação para juiz, desembargador, promotor de justiça, militar, diplomata, etc?

7)Como ficam aqueles que se sentem vocacionados a profissões EXCLUSIVAS do serviço público? O que dizer a quem quer ser juiz, policial, promotor público ou diplomata? Que procurem seus arremedos (grosseiros) na iniciativa privada?

8)Os que dizem “não façam concursos públicos! Trabalhem na iniciativa privada” já pensaram, por um minuto sequer, que quem seguir seu conselho restringirá artificialmente suas chances de inserção profissional? Ou pretendem ajudar doutra forma quem tenha dificuldade de arrumar um emprego por põr em prática suas opiniões profissionais?

9)Caso especial do ponto anterior: como ficam aqueles que se prepararam em cursos com pequeno mercado de trabalho (Filosofia, Sociologia, Matemática, etc)? Devem diminuir ainda mais suas pequenas chances de ober um emprego porque uns acham que, trabalhando para o Estado, não verão valorizadas sua “paixão e personalidade”?

10)Finalmente, a questão financeira. Como acadêmico de Direito, vejo que a advocacia, para os iniciantes, não costuma ser uma atividade muito rentável (não é raro encontrar escritórios que oferecem um salário entre 800 e 1000 reais para um advogado em começo de carreira). Isso para quem se dispõe a morrer de trabalhar, de manhã até a noite (alguns escritórios não querem que seus advogados façam certos serviços em horário laboral, como a petição inicial e pedem que sejam feitos pelo advogado-empregado à noite, em casa, quando ele deveria estar descansando e convivendo com os seus). Por outro lado, há vários concursos por aí com salários de 5,7 ou 12 mil reais para nível superior, muitos deles exigindo graduação em Direito. O que dizer para tentar convencer estes acadêmicos de Direito e os recém-formados para não fazer concursos e preferirem a 1ª opção? “Ah, concurso é só decoreba”?

Por isso, não caiam nas falácias propaladas por pessoas assim, como Luiz Carlos Prates. Façam as melhores opções possíveis para a sua inserção profissional, seja no serviço público ou na iniciativa privada. Desde que seja por uma senda honesta, tudo é válido.

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